Depressão pós-parto: como identifiquei e superei a minha

Hoje a Lili está com 9 meses e eu olho para ela e para o Xu com amor no coração. Eu vejo o quão sortuda eu sou por ter um parceiro tão participativo, amoroso e preocupado com nossa filha. Ele é super antenado a ela, percebe os mínimos humores e mudanças de comportamento. E sou sortuda por te uma filha saudável, alegre, sorridente, super ativa, esperta e determinada. E esse sentimento apareceu sorrateiro, bem devagarinho. Em um dia, lá pelos 8 meses, me peguei olhando para ela e sentindo um quentinho gostoso no coração, uma sensação boa de estar ali naquele momento e gratidão por ela ser uma bebezinha super saudável. Esse sentimento foi crescendo e hoje sinto que meu coração ganhou pernas e agora engatinha por aí (como uma amiga me disse um dia que ela sentia).

Mas nem sempre foi assim.

Os primeiros meses da vida da Lili foram, para dizer o mínimo, bastante complicados. Eu tive um parto difícil, um pós-parto surreal e uma bebê de alta demanda. Essa mistura, aliada à falta de conhecimento sobre o que seria o pós-parto, falta de rede de apoio (meus pais e familiares vieram ajudar em alguns momentos, mas nada constante) fez com que eu entrasse em buraco bem profundo, que meu analista disse que eu podia chamar de depressão pós-parto. E eu demorei para reconhecer que estava no fundo do poço e que aquilo ali não era normal. O primeiro a notar meu estado foi o Xu, que um dia perguntou da possibilidade de eu estar com depressão pós-parto…foi como uma luz que se acendeu na minha cabeça. Talvez aquele desânimo, sensação de que a vida tinha acabado, a luta contra a maternidade, falta de interesse na Lili, falta de interesse no Xu ou em qualquer outra coisa, na verdade, não fosse o normal.

Ao redor do mundo a prevalência de depressão pós-parto parece girar em torno de 10 a 15%, podendo começar entre 4 e 6 semanas até um ano após o parto. No Brasil, um estudo da Fiocruz de 2016 apontou que 25% das mulheres são vítimas da doença entre 6 e 18 meses após o nascimento do bebê. É uma entre 4 mulheres!

Eu não tinha ideia de que o pós-parto era um momento tão difícil. Eu nunca tive muito contato constante com bebês, já que nenhuma das minhas amigas mais próximas foi mãe, e eu nunca li muito sobre o assunto. O mais próximo que cheguei de cuidados com bebês e gravidez foi da minha cunhada e meus dois sobrinhos, mas por estarmos distantes não fiquei sabendo das suas dificuldades do pós-parto. Além disso, durante a gravidez, eu me foquei demais no parto e esqueci de guardar um tempinho para entender o que vinha depois da chegada do bebê.

Depois do conselho do Xu eu fui pesquisar sobre os sintomas da depressão pós-parto. Na minha inocência eu achava que os sintomas de depressão incluíam vontade de não sair da cama e/ou fazer as necessidades básicas, ter pensamentos perigosos com relação à própria vida (confesso que tive alguns, mas longe de qualquer coisa mais séria), não comer, não dormir, aquelas coisas clássicas que vemos em filmes. E eu não tinha nada disso. Mas na minha pesquisa descobri que muito do que eu estava sentindo se encaixava nos sintomas da doença, que incluem ansiedade, ataque de pânico, culpa, descontentamento geral, raiva, tristeza, falta de interesse em atividades, insônia, fadiga, choro, irritação, e muitos outros. É um leque muito grande de sintomas e, por isso, muitas vezes pode passar despercebido.

E, no meu caso, foi bom saber do diagnóstico porque entender que eu não era somente uma pessoa egoísta e uma péssima mãe, mas que algo estava fora do lugar, me deu força para entender o momento que eu estava passando, ter um pouco mais de paciência comigo mesma e ter esperança de que as coisas podiam melhorar.

E eu queria trazer os sintomas que eu tive na minha depressão pós-parto para ajudar você, caso esteja passando pelo mesmo. Não é uma lista extensiva, então se você estiver se sentindo desanimada com a vida após o nascimento de um bebê tão desejado, não tiver vontade de estar com seu filho(a), estiver tendo pensamentos ruins com relação à sua vida, ou mesmo que não tenha nenhum dos mesmos sintomas que eu, mas suspeita que algo não está indo bem, procure ajuda.

No meu caso, meus sintomas foram:

1. Um colapso nervoso

Eu fiquei 6 dias no hospital, sendo 2 deles na UTI. E por isso, para poder ter direito a ficar internada, a Lili também precisou ir para UTI (uma coisa totalmente sem sentido e que prejudica tanto o bebê que eu tenho vontade de gritar só de pensar nisso. Caso ela pudesse ter ido para a casa com o pai, avô, avó, eu tenho certeza de que ela teria ficado muito mais acolhida. Mas isso é assunto para outro momento).

Pelo fato de eu não ter conseguido amamentar ela precisou entrar na fórmula já logo nas primeiras horas de vida e a preparação e entrega de fórmula no hospital era uma novela. Demorada, regrada e não calculada para cada bebê e suas necessidades. A Lili muitas vezes passou fome depois que fomos para o quarto, mesmo ficando pendurada no meu peito durante horas e horas (eu não produzi leite em quantidade suficiente porque eu não amamentei consistentemente nos primeiros dias da vida dela). O estômago de um bebê multiplica 10 vezes na primeira semana de vida, tendo a necessidade de leite indo de 5-7 ml no primeiro dia de vida para 45-60 ml no sétimo. E ela era uma bebê de 4 ou 5 dias sendo alimentada como se tivesse 1.

Nós tivemos que brigar com as enfermeiras e com o hospital todo várias vezes para que pudessem dar mais fórmula a ela, já que a coitada estava visivelmente irritada de fome (foi o Xu quem percebeu e fez um fuzuê no hospital). E cada vez que pedíamos mais fórmula era quase 1 a 2 horas para enviarem, enquanto a Lili gritava no quarto. Estar naquela situação, com dores absurdas, tomando opioides para poder me sentar e amamentar e, ainda assim, não conseguindo alimentar minha filha e implorando aos enfermeiros para que dessem alimento a ela, foi demais.

E um eu simplesmente não aguentei. Eu explodi em um ataque de choro, me tranquei no banheiro de frustração por depender de um hospital desumano, liguei para meu analista, para meu pai, para meu amigo do trabalho, para minha médica. Um pedido de socorro vindo de uma situação de desespero completo. Uma das enfermeiras tentou me acalmar dizendo que eu deveria pensar na minha filha e eu quase a estapeei naquele momento. Eu sei que foi uma tentativa de me ajudar, mas escutar frases feitas enquanto eu estava desesperadamente pensando e brigando pela minha filha foi insuportável.

Enfim, esse foi um episódio que já demostrava que algo não estava indo muito bem na minha cabeça.

2. Uma tristeza profunda

A Lili foi um bebê desejado, planejado, muito querido. Fizemos cada coisinha do quarto dela pensando no momento de sua chegada, decoramos tudo nós mesmos, nos divertimos com os chutes, com os ultrassons, com cada etapa da jornada durante a gravidez. Então, estar profundamente triste após o parto não fazia sentido. Quer dizer, para mim fazia, porque na minha cabeça minha vida tinha acabado. O futuro parecia um túnel escuro, sem perspectivas e tudo que eu conseguia fazer era olhar para trás e desejar poder voltar na minha decisão. Foi bastante difícil para mim, para o Xu e imagino para a Lili.

Mas olhando de fora hoje, eu penso na falta de lógica dessa situação: extremamente feliz antes, extremamente infeliz depois. Por mais que a emoção possa ser muito real no momento em que estamos no olho do furacão, duvide que esses extremos são normais, caso você esteja na mesma situação.

3. Choro constante (meu e dela)

Se eu não chorava todos os dias, pelo menos dia sim estava eu em prantos. E um choro sentido, de desesperança, às vezes misturado com uma pitada de raiva.

O nível de compromisso e entrega que a Lili demandava era fora do comum. Se ela não estivesse dormindo (em nós) ou mamando estava chorando, independentemente de estar no chão, no colo, no carrinho, na cadeira, no carro. Se fosse com outras pessoas, chorava mais alto. Com a gente, chorava um pouco mais baixo e dava alguns momentos de descanso. Eram horas sem fim tentando fazer com que ela se acalmasse, o que geralmente não funcionava, horas para fazê-la dormir aos berros. Lembro de um dia voltar do supermercado e na saída do elevador já ouvir os berros e pensar: “quando será que eu vou chegar em casa e a Lili não vai estar berrando”. E isso acrescentou para piorar o meu estado.

Eu temia os dias e o nascer do sol, porque significava mais um dia de luta e berros. Eu ansiava pelas noites, para chegar rápido às seis/sete da noite, que era quando fazíamos a rotina noturna e a colocávamos para dormir no moisés. Era o momento de paz que tínhamos no dia, aquelas 2 a 3 horas antes de capotarmos de cansaço. Eu sempre brinco (brincadeira histérica, rindo de tensão) que Deus enviou uma bebê que tinha muito sono à noite, ou senão eu teria me jogado pela janela.

4. Muita irritação

Tudo me irritava. Tudo! O choro da Lili era o gatinho mais frequente, mas às vezes uma pergunta do Xu, um comentário do meu pai, uma indicação da médica já me deixava em estado de nervos. Eu tentava não descontar nas pessoas que estavam ali tentando ajudar, pelo menos eu tinha alguma consciência de que aquilo vinha de mim e não do outro. Mas isso não diminuía o impacto que essa irritação causava, principalmente no Xu e na Lili. Ela principalmente sentia meus estados e acalmá-la quando irritada era ainda mais difícil.

O Xu foi um guerreiro de aguentar nessa fase tanto eu quando a Lili e ficar forte por nós duas.

5. Mudanças de humor

Eu tinha dois humores: “a vida acabou” e “vai passar”. E eu saía de um e entrava em outro mais rápido do que a velocidade da luz. Em uma ocasião eu estava rindo e esperançosa, pensando no absurdo que estávamos vivendo e na outra eu estava no chão, pensando que aquilo ali duraria para sempre e eu seguraria um bebê berrando até os 18 anos de idade.

Eu nunca fui 100% equilibrada, mas antes da gravidez as mudanças de humor eram bem esparsas, não intensas e não duradouras.

6. Falta de conexão com a bebê

Não sei se já comentei, mas Lili foi uma bebê muito, muito, muito difícil (rsrsrs posso acrescentar infinitos muitos e falar isso 50 vezes e ainda não fará juz ao desafio que foram os 4 primeiros meses da vida dela).

Eu não sei se essa questão ajudou, mas a falta de conexão que eu sentia com ela era absurda. E hoje eu sei disso olhando para dentro e vendo o sentimento de amor que explode só de olhar para ela. Mas no começo, o cuidado com ela era bastante mecânico. Eu amamentava quando precisava, trocava fralda, ninava, dava banho e fazia tudo que se espera de uma mãe, mas mais como um robozinho programado para agir quando necessário. Por mais louco que possa parecer (e é mesmo bastante maluco), eu achava que ela queria me manipular, queria fazer da minha vida um inferno, para complementar o que já tinha acontecido no parto e pós-parto.

7. Medo de ficar sozinha com a Lili

Eu li que esse pode ser um indicador de ansiedade pós-parto, mas quando estava passando por isso eu não tinha ideia.

Diferentemente do que acontece, nós tivemos alta do hospital à noite. Isso foi um pedido nosso, já que eu não aguentava mais aquele lugar, tudo o que passamos lá, a dificuldade de alimentar a Lili, o medo de algo piorar e eu não conseguir mais ir embora. Então, assim que a médica perguntou se eu queria ficar mais uma noite eu neguei veementemente. Saímos de lá com a felicidade explodindo no peito.

Mas ao chegar em casa, lá pelas 22:00h, eu me desesperei. A realidade bateu à porta, a casa estava de pernas para o ar (por causa da correria da noite que entrei em trabalho de parto), não tínhamos nada para alimentar a bebê e nem comida para nós mesmos. O Xu ia precisar sair para comprar algumas coisas e quando percebi que teria que ficar sozinha com a Lili entrei em prantos. Quase que ele não teve coragem de ir, mas não tínhamos escolha.

E esse medo continuou por muitos meses ainda. Eu não tinha confiança na minha capacidade de cuidar da dela, tinha medo de ter que lidar com berros constantes, ou que se acontecesse alguma coisa, engasgo, queda, qualquer coisa, eu não saberia o que fazer. Várias cenas de terror passavam pela minha cabeça, e no filme eu não conseguia fazer o que era necessário para salvar minha filha. Foi um período bem difícil.

8. Querer fugir

Muitas vezes eu pensei em pegar a Lili e ir embora para a cidade dos meus pais. Por mais irracional que essa ideia possa parecer, já que era o Xu quem cuidava dela de forma impecável e igualitária, quem me dava força, apoio e perspectivas positivas de um futuro melhor, ela e voltava da minha cabeça frequentemente, principalmente quando as coisas estavam terríveis.

Eu amo meu parceiro, não tinha absolutamente nenhuma reclamação contra ele, nenhum ponto de melhora, nada, por isso hoje a ideia de fugir é mais uma que me parece bem maluca.

Na verdade, o que eu queria era fugir do buraco onde eu tinha entrado e mirei no alvo que não errado.  Minha sorte é que eu tinha um analista me indicando que esse não era o caminho e o melhor e mais compreensivo parceiro do universo (ele nunca soube disso, talvez saiba por esse post rs). Isso fez toda a diferença para eu não sair correndo com uma bebê no colo, da qual eu ainda duvidava que tinha capacidade de dar conta sozinha. Pós-parto é um treco bem maluco.

9. Arrependimento profundo

Pelo menos dia sim dia não eu pensava na minha vida antes da gravidez e chorava de arrependimento. Um arrependimento profundo pela escolha consciente que fiz de ser mãe.

Eu logo concluí, pelo comportamento da Lili, que eu era uma péssima mãe, sem paciência, sem jeito de lidar com ela, com ideias malucas, sem conhecimento e sem vontade de me doar a esse serzinho. Naqueles primeiros meses se tivesse uma máquina do tempo eu teria voltado e mudado minha opção sem titubear. Ainda bem que essa máquina não existe e o arrependimento quase desapareceu por completo hoje.

Foto de Lucian Andrei

Esses são alguns dos sintomas que foram mais intensos e que eu lembro mais vivamente. A falta de sono não deixa a gente registrar muitas coisas na memória, então pode ser que algo tenha fugido.

Mas hoje eu estou completamente diferente. Estou muito mais paciente e compreensiva com o comportamento da Lili e dificilmente fico irritada ou saio de mim, como era tão comum nos primeiros meses. Consigo raciocinar que um dia ruim é só um dia ruim, uma soneca ruim é só isso e nada vai ser para sempre. Eu consigo apoiá-la e dar o suporte que ela precisa para comer, para dormir, tomar banho. Quando ela desregula e entra em um período ruim, eu não mais desregulo junto (ou pelo menos não o faço na maioria das vezes).

Eu voltei a pensar no futuro, nas coisas que eu quero fazer e sinto o tempo todo vontade de compartilhar tudo com minha família. Claro que de vez em quando ainda bate aquela saudade da vida de antigamente, de liberdade, de dormir e acordar tarde, de sair sem ter que pedir a colaboração do parceiro, etc. Mas esses sentimentos estão cada vez mais tênues.

Eu tenho assumido mais responsabilidades com a Lili, não porque é necessário, mas porque eu quero. É gostoso estar com ela, passar tempo juntas, rir e brincar.

A vida parece mais leve e eu não sinto que minha vida acabou ou que eu fiz a maior besteira do mundo. Sinto que a vida mudou, é diferente, e um diferente gostoso e cheio de possibilidades.

Se você está no mesmo buraco que estive, existe esperança, nada fica ruim para sempre. Procure ajuda, aceite suporte do parceiro, amigos e familiares. Dê tempo ao tempo e enquanto isso saia um pouco, tente distrair a mente e fazer um pouquinho do que você fazia antes, uma caminhada (me ajudava muito), uma ida ao mercado sozinha, um encontro com alguma amiga (fiz muito, obrigada minhas amigas do coração). E, se puder, procure ajuda de um psicólogo/analista.

Acho que essa mistura foi o que me tirou do buraco onde eu fiquei por uns bons meses.

Abraços.

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